Criando os filhos distante do suporte familiar

Por Alline Nogueira Melo

Há algumas décadas, existiu no Brasil o movimento de pessoas migrando do Nordeste para o Sudeste em busca de novas oportunidades de trabalho, formando suas famílias distante de sua cultura e família extensa. Uma das configurações familiares mais encontradas no grupo de Brasileiros na Holanda é semelhante a essa, são os brasileiros que mudaram para a Holanda e começaram a formar suas famílias distante de sua cultura e família extensa.

Família extensa e família nuclear

Através dos relatos de alguns pais, é possível observar a frustração que vivem por perceberem que seus filhos irão crescer em um ambiente familiar diferente do que eles mesmos viveram. Relatam que cresceram se relacionando diretamente com sua família extensa, ou seja, seus avós, tios, primos e vizinhos. Em contrapartida, por seus filhos morarem distante desses familiares, terão contato apenas com sua família nuclear, ou seja, pais e irmãos.

Pais que viveram experiências negativas na infância, tendem a realmente desejar que os filhos se desenvolvam em um ambiente distante da família extensa.

Outros, por terem vivido experiências positivas, se sentem frustrados por verem os filhos privados dessas relações.

Diante dessa expectativa dos pais, é possível pensar sobre um conhecido provérbio africano que diz que é preciso uma vila inteira para criar uma criança. Ou seja, que é necessária a interação de pessoas de uma comunidade inteira para que uma criança cresça de forma saudável e segura, onde os pais receberão apoio de outros adultos e as crianças encontrarão outras crianças e adultos como referência social.

E para os pais que decidem ter seus filhos distante da família extensa, onde ficaria essa tal vila?

Nesse contexto, é necessário encontrar quais são as principais necessidades dos pais individualmente e também enquanto casal, assim como encontrar as reais necessidades das crianças. E, então, pesquisar as alternativas possíveis para acolher essas necessidades.

Suporte, assistência e companhia para os pais.

A família extensa tende a oferecer suporte para os pais compartilharem suas preocupações, aflições e responsabilidades. Compartilhar sentimentos possibilita a redução do estresse agregado à parentalidade. Na maioria das vezes, somente saber que eles possuem essas pessoas disponíveis para compartilhar o que sentem, já funciona como um fator positivo para sua saúde emocional.

A possibilidade de receber a assistência prática com os cuidados para a criança, como deixar a criança na casa dos avós ou tios diante de alguma emergência, ou simplesmente para os pais experienciarem a companhia um do outro enquanto casal, é muito importante para a saúde dos pais.

Relações socias, modelos, referências e cultura para as crianças.

Poderia haver um equívoco em relação à expectativa dos pais quando dizem que gostariam que seus filhos vivessem a infância próxima da família extensa como eles mesmos viveram. Essa experiência seria produtiva e enriquecedora para o desenvolvimento emocional da criança, mas de qualquer forma seria diferente da experiência dos pais, simplesmente porque a criança é um ser humano com seus próprios desejos e identificações. A expectativa pessoal dos pais é diferente da realidade, seja vivendo próximo ou distante dos avós, tios, primos e amigos.

A relação com a família extensa permite aos pais continuarem promovendo conhecimentos aos filhos em relação à cultura de seu país de origem, tradições e experiências, detalhes que somente essas pessoas conseguem transmitir e explicar. Por exemplo, quem melhor poderia contar à uma criança como seu pai se comportava quando ele mesmo era criança do que seu próprio avô? E são os primos que brincaram juntos durante a infância que conseguem ensinar às crianças pequenas como eram essas brincadeiras de sua época.

Relacionar-se apenas com os pais como fonte de referências sociais é uma experiência limitada para a criança.

Oferecer à uma criança a relação com sua família extensa possibilita que ela encontre outros modelos e referências de adultos para usar na construção de sua identidade. Além disso, crianças precisam estar com crianças. Estar na presença de outras crianças e estabelecer relações de confiança, promove o desenvolvimento emocional saudável mesmo em um contexto próximo ou distante da família extensa.

Se é necessária uma vila inteira para criar uma criança, o que fazer quando não há a vila?

Tecnologia, criatividade e persistência.

Talvez um dos maiores desafios é como manter o relacionamento à distância e possibilitar que ambos se sintam parte da vida um do outro, afinal relacionamento implica em convivência diária.

As ferramentas que a tecnologia oferece podem diminuir essa distância. Chamadas por vídeo e ligações podem acontecer de forma regular, onde as famílias trocarão informações simples sobre a vida cotidiana. Por exemplo, as crianças podem contar aos avós que perderam seu primeiro dente de leite, ter alguém para quem contar esses detalhes da vida diária é saudável para a criança e a faz se sentir vista e amada.

É preciso um esforço de ambas as partes para esse relacionamento acontecer e ser mantido.

Trocar fotos e vídeos dos acontecimentos da família, passeios e viagens, aproxima essa distância, algo que seria feito em um encontro presencial passa a acontecer de forma virtual.

O envio de cartas também é uma ferramenta que alimenta a relação das crianças com a família extensa. Crianças gostam de receber cartas, o papel é algo concreto que faz parte do mundo da criança e ainda se sentem tão importantes quantos os adultos que recebem cartas mensalmente.

Permitir que os familiares participem de datas importantes e aniversários, também momentos importantes como a hora de dormir ou de ir para a escola, são fatores que enriquecem essa relação.

Investir nos relacionamentos sociais.

Para os pais, buscar novas relações sociais é uma das formas de construir sua própria vila. Participar das atividades do bairro, dos eventos da cidade, conhecer os vizinhos e promover encontros entre aqueles que compartilham interesses em comum, são caminhos para construir sua própria rede de suporte social.

Junto com as crianças, participar das atividades presenciais da escola, conhecer os pais dos amigos e promover momentos em que possam brincar juntos, é um caminho para oferecer novas referências.

O caminho é ser sociável.

Os pais e filhos podem encontrar inúmeros benefícios ao manter o relacionamento social com a família extensa, mesmo que à distância. Assim como se beneficiam ao criar possibilidades de construir relações com as pessoas de seu novo contexto social. Esse movimento exige esforço de ambas as partes, assim como traz benefícios a todos. Portanto, é positivo se fazer estar próximo, seja fisicamente ou virtualmente.

Fontes de pesquisa e imagens
  • Photo 1 by Nicola Giordano from Pexels
  • Photo 2 by NastyaSensei from Pexels
  • Photo 3 by Ekaterina Bolovtsova from Pexels
  • Relatos de famílias que moram em lugares diferentes de seu local de origem.
Alline é graduada em Psicologia, especialista em Psicologia Clínica Hospitalar e há quase dez anos pratica a psicologia com crianças, adolescentes e adultos através da abordagem psicodinâmica.